O MANIFESTO NA ORIGEM DO MOVIMENTO QSINTRA

SALVAR SINTRA

A todos os que vivem em Sintra e a todos os que gostam de a visitar:

Sintra está em perigo.

É urgente defender Sintra e a Serra, o seu património e a sua identidade.

As entidades públicas responsáveis têm o dever de respeitar e preservar as características únicas que fizeram a UNESCO classificar Sintra como Património Mundial da Humanidade.

Estas são as motivações que estão na origem do movimento independente de cidadãos Q Sintra. Somos Sintrenses e amantes de Sintra preocupados com a insuficiente protecção do património construído e do património natural, a pressão do turismo, o trânsito caótico, o abandono e situação de risco em que está grande parte da Serra, o desleixo na gestão urbana.

A integridade de Sintra e dos seus vários eco-sistemas exigem uma gestão específica, especializada e bem articulada. A falta de coordenação entre a teia de entidades responsáveis pela protecção das várias dimensões do Património, a ausência de regulamentos específicos e de um plano de gestão, problemas identificados desde que Sintra foi classificada pela UNESCO, vão ajudando a degradar e a pôr em risco, ano após ano, a qualidade e autenticidade de um território ímpar.

Este manifesto vem alertar para a urgência de responder a estes problemas e interpelar publicamente a Câmara Municipal de Sintra, o Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta, a Parques de Sintra-Monte da Lua, a Direcção-Geral do Património Cultural e outras entidades públicas com responsabilidades na gestão da Paisagem Cultural de Sintra para que não comprometam por acção ou por omissão o futuro deste lugar único.

Queremos juntar nesta interpelação as vozes de todos os cidadãos preocupados com as ameaças e ataques à Paisagem Cultural de Sintra, classificada como Património Mundial da Humanidade precisamente por constituir um exemplo único de harmonia entre a paisagem natural e a intervenção humana.

 

Apelamos a uma mudança urgente na gestão da Paisagem Cultural de Sintra, para preservar o património que a caracteriza e atacar integradamente os vários problemas que a ameaçam, entre os quais destacamos:

  • A falta de planeamento e critério na gestão urbana
  • A pressão do Turismo
  • O trânsito caótico
  • Uma oferta cultural e comercial pouco qualificada
  • A floresta abandonada e em risco
  • A descoordenação e a ausência de um plano de salvaguarda

 

Junte a sua voz para salvar Sintra. Enquanto é tempo.

 

1-A falta de planeamento e critério na gestão urbana

Projectos com excessiva área de construção, destruição e descaracterização de fachadas, utilização de materiais sem qualidade e outros elementos dissonantes estão a degradar a paisagem urbana e a colocar maior pressão sobre o eco-sistema, a mobilidade e a vida das pessoas.

A reconstrução e a renovação turística, sem dúvida úteis e necessárias, não estão a ser feitas com o critério exigível e vão agudizar problemas já de si graves, no plano da mobilidade e da gestão do espaço urbano, degradando paradoxal e ironicamente o que se pretende oferecer: um turismo de qualidade, sustentável, atraente para quem visita e quem acolhe.

 

Há que fazer um levantamento sistemático de todos os projectos hoteleiros em curso e avaliar o seu impacto, mas desde já impõe-se aqui destacar alguns casos:

  • Construção de um hotel com 95 quartos na Casa da Gandarinha. Ninguém se deixará de regozijar pela recuperação daquele sítio abandonado há tantos anos, mas o projecto tem vindo a revelar-se uma ofensa irreparável ao património de Sintra, desfigurando um lugar de referência do centro histórico de Sintra. A destruição de muros, grutas e árvores, a remoção de penedos, a densidade de construção (5555 m2 numa área de 5843 m2), o impacto previsível de um parque de estacionamento para 160 carros na circulação viária já frequentemente saturada, constituem um triste exemplo do que está a acontecer em Sintra. Um exemplo do que não podemos deixar que se repita!

 

  • Reabilitação do Hotel Netto, edifício do século XIX inserido na zona de proteção do Palácio Nacional. A Câmara Municipal comprou o hotel em 2014 exercendo o direito de preferência sobre a Parques de Sintra-Monte da Lua, acabando por vendê-lo três anos depois em hasta pública a uma empresa ligada a um grupo hoteleiro, em conhecido aperto financeiro. As obras pararam há cerca de meio ano. Quando deixaremos de ter a grua e o estaleiro nas vistas do Palácio Nacional

 

  • Construção de uma nova Pousada da Juventude com 104 camas em frente à estação ferroviária. Não se pouparam os edifícios que estavam abandonados. Veremos em breve qual a imagem que passará a acolher quem chega de comboio a Sintra.
  • Construção de um hotel com 77 quartos e 92 apartamentos na Várzea de Sintra. Além do impacto visual, constituirá uma carga adicional no sistema viário e outras infra-estruturas que servem a zona.

A gestão urbana é marcada pelo desleixo: asfaltos esburacados, sistema de recolha de lixos deficiente em várias freguesias, fios eléctricos e cabos emaranhados nas fachadas, sinaléticas comerciais visualmente ofensivas. Ao mesmo tempo, gasta-se dinheiro sem aparente racionalidade, por exemplo: na obra de mais de 1 milhão de euros que se projecta para o Largo da Feira em São Pedro, a pretexto de ‘devolver o espaço às pessoas’ e ordenar o estacionamento, ameaçando alterar o carácter deste lugar emblemático; nas frequentes mudanças da iluminação pública; na pulverização de jardins e ruas com herbicidas nocivos (glifosatos).

É decisivo e urgente conter a pressão deste suposto desenvolvimento, mudar esta visão sem futuro, impedir projectos predadores, impor um plano específico para a área de Paisagem Cultural de Sintra, aplicar regras compatíveis com o Direito do Património Nacional, fiscalizar com autoridade a aplicação dessas regras e penalizar fortemente o seu incumprimento.

 

2- A pressão do Turismo

 Queremos que Sintra e os Sintrenses possam conviver com o turismo, mas um turismo que respeite e torne melhor a vida dos que aqui vivem e não, ao contrário, que os prejudique no seu dia-a-dia e os leve a fugir do que ainda resta de vida própria nos bairros, na serra e na zona envolvente até à linha do Atlântico.

A fragilidade de todo o eco-sistema, os monumentos, os parques, a floresta, os núcleos urbanos da Paisagem Cultural de Sintra não conseguirão suportar cargas turísticas ilimitadas e descontroladas. É necessário planear a capacidade de utilização do património natural e construído, através da restrição do número de visitas diárias.

O Turismo é uma actividade económica muito importante, em geral, e determinante, em particular, para um lugar como Sintra. Mas, para ser também um factor de desenvolvimento, tem de obedecer a regras estritas e estar sujeito a um processo de controlo para que não se destrua a si próprio e se transforme num agente de descaracterização do que pretende em última análise explorar.

É urgente qualificar a experiência de uma visita a Sintra, desenvolvendo um turismo de qualidade, com uma oferta de elevado nível e respeitadora da integridade do lugar.

É urgente e essencial contrariar imediatamente a pressão do turismo massivo que se está a impor e que poderá deixar desde já, danos irreparáveis, considerando todas as suas dimensões.

 

3- O trânsito caótico

O problema do trânsito agrava-se sistematicamente, com um fluxo crescente de carros, estacionamento selvagem, policiamento insuficiente, autocarros desproporcionados e tuk-tuks que bloqueiam ruas e estradas – mal cuidadas e muitas vezes impróprias para duas vias.

Os transportes públicos não são suficientes nem adequados. O estacionamento, mesmo com os novos parques, é escasso.

A dissuasão de acesso ao centro não existe. O trânsito caótico coloca também um problema de segurança, porque condiciona seriamente o acesso e mobilidade dos meios de socorro em caso de acidente grave ou calamidade.

Parece-nos evidente a necessidade de instalar parques de estacionamento na periferia em terrenos de menor interesse, dotando-os de ligação aos pontos turísticos por um sistema de transportes públicos amigos do ambiente e adequados às características das vias de Sintra.

Sintra precisa de um plano de mobilidade que compatibilize a fluidez do trânsito, o estacionamento e a protecção do ambiente e património.

 

4-Uma oferta cultural e comercial pouco qualificada

Sintra tem potencial para se tornar um pólo artístico importante. Além de recuperar o Festival de Música, em franco declínio, há condições para uma oferta cultural mais forte e permanente, porventura em articulação com instituições nacionais, promover outros eventos culturais de qualidade, apoiar residências artísticas, valorizando Sintra e as suas características, sem esquecer as infraestruturas já existentes, tais como o Centro Olga Cadaval e o antigo Casino, ambos desaproveitados, com uma programação errática e pouco atraente.

No centro histórico, a oferta comercial é cada vez mais orientada para os produtos turísticos de baixo valor, sem diversidade e qualidade, consequência, aliás, do predomínio cada vez maior do turismo barato, efémero e de alta rotação, originado em Lisboa.

A renovação da cultura e do comércio e a criação de novas oportunidades nestas áreas só podem resultar de uma política integrada para Sintra e constituem mais uma forte razão para a justificar, no interesse de todos, a começar pelos próprios comerciantes e operadores turísticos.

A sustentabilidade social e económica de Sintra exige o reforço da sua oferta comercial e cultural.

 

5- A floresta abandonada e em risco

É preocupante a situação de abandono e de alto risco de incêndio em que se encontra grande parte da serra.

A protecção e a gestão florestal são praticamente inexistentes nos 700 ha que pertencem à Câmara Municipal de Sintra e na maior parte das matas privadas (cerca de metade da floresta inserida na área de Paisagem Cultural de Sintra).

São constantes os sinais de risco, negligência e desprezo pela harmonia, sustentabilidade e qualidade de uma paisagem classificada, sem falar da segurança e do perigo crescente de incêndios graves: árvores caídas, extensas áreas por limpar, descontrolo de espécies invasoras, acumulação de lixo ou entulho, muros derrubados, intervenções privadas sem fiscalização e controlo.

 

O risco é certamente hoje muito maior do que em 1966, quando um incêndio devastou 5000 ha da serra e provocou a morte de 25 soldados. O ordenamento e a prevenção têm de ser o foco essencial, como se provou nos dramáticos incêndios que destruíram em 2017 vastas áreas do território nacional.

É urgente investir na protecção da floresta, na limpeza, na sua diversidade e no repovoamento das espécies apropriadas, incluindo as autóctones.

É urgente uma política integrada para a floresta da Serra de Sintra, baseada no ordenamento e prevenção, comprometendo o Estado e os proprietários privados.

 

6- A descoordenação e a ausência de um plano de salvaguarda

 

Finalmente, e como questão transversal, sobressai a evidente ausência de uma política estrutural devidamente integrada, simultaneamente causa e consequência da falta de articulação do vasto conjunto de instituições públicas com poderes de intervenção na área classificada. A dispersão das responsabilidades anula-as reciprocamente e enfraquece a sua autoridade.

A Unesco recomenda, desde a classificação, um plano de gestão integrada para a Paisagem Cultural de Sintra.

Passados mais de 20 anos, o plano continua sem existir.

Não se cumpre a Lei do Património (107/ 2001) que “obriga o município, em parceria com os serviços da administração central ou regional autónoma responsáveis pelo património cultural, ao estabelecimento de um plano de pormenor de salvaguarda para a área a proteger” – no caso de Sintra, a área classificada como Património Mundial da Humanidade, tornada automaticamente Monumento Nacional.

Sintra – Património Mundial continua a ser gerida com base num plano de urbanização de 1940, ainda assim o único instrumento de ordenamento que considera algumas características particulares da malha urbana e a sua integração social, económica, ambiental e cultural mas está obviamente desajustado em relação aos desafios actuais. Os critérios e conceitos que o PDM do concelho aplica à zona classificada não diferem substancialmente dos aplicados nos núcleos urbanos desenvolvidos ao longo da linha de Sintra.

 

Exigimos que as entidades responsáveis pela gestão pública em Sintra façam o que está previsto na Lei do Património e estudem, proponham e executem um plano de pormenor de salvaguarda e um plano de gestão integrada da Paisagem Cultural de Sintra, que preservem a natureza e o espírito deste lugar, que travem a sua degradação e que o valorizem, como Património Mundial da Humanidade e, obviamente, das pessoas que o habitam e fazem viver.

Reclamamos uma visão de futuro e dinamismo na resolução dos problemas que estão a afectar este património.

Queremos que Sintra evolua sem ser descaracterizada por um progresso autofágico, mono-especializado num turismo sem futuro.

Junte a sua voz para salvar Sintra. Enquanto é tempo.

 

SUBSCREVA O MANIFESTO  mandando um email para qsintra@mail.com indicando nome completo ou através da plataforma Petição Pública ou através da plataforma Avaaz

 

VEJA AQUI A LISTA DOS PRIMEIROS SUBSCRITORES 

Website Built with WordPress.com.

EM CIMA ↑